Ela acorda, com dores.
No tempo final da gravidez, sabe o que as dores significam.
Acorda o marido, para a levar ao médico.
O marido não a quer levar (ela nunca teve a certeza do porquê da recusa dele... só da sensação de mágoa que isso lhe causou...) e pede à irmã, que é enfermeira, para levá-la.
Cheia de dores, cansada dos últimos tempos em que quase não conseguira dormir, ela sente-se sozinha, triste, desamparada.
Chegam ao Hospital.
Uma enfermeira diz-lhe:
"Os médicos já não estão a atender ninguém, tem de ir para a Maternidade."O chão foge-lhe debaixo dos pés.
Com angústia, cheia de dores, responde:
"Mas eu sempre fui atendida aqui, não quero ir para outro lado."
A enfermeira olha-a, olha para a cunhada dela, sua colega, e acaba por ir ver do médico.
Ouvem-se tiros, e não estão assim tão longe.Ela tem medo, por ela, pelos dela.
E tem muitas dores.
O médico aceita vê-la, e colocam-na num quarto onde uma mulher mais jovem, também em início de trabalho de parto, grita de dores.
Ela sofre, em silêncio.
Com as dores físicas, com a sensação de solidão.
A outra mulher pergunta-lhe:
"Não lhe dói?...", estranhando o silêncio dela.
Ela responde:
"Dói, claro que dói...", num tom resignado.
As horas passam.
As dores continuam, e a criança que traz no ventre, em vez de
descer, sobe, entrando em sofrimento.
Decidem provocar o parto, dão-lhe medicação e levam-na, a pé, para a sala de partos.
Avançando a custo pelo corredor, vê uma mulher negra a ter um filho ali, no chão.
A imagem impressiona-a.
Ainda hoje, quando vê uma grávida, impressiona-lhe o saber do que custa a hora do parto.Na sala de parto, vê-se rodeada de gente.
O médico e mais uns poucos estudantes de medicina.
Com todo o desconforto que já tinha, o medo que sente, a solidão que aperta, olhou para aquela gente toda com alguma frustração e resignação.
"Ao menos que tenham aprendido a fazer as coisas bem.", desabafou ela, anos mais tarde.Às 13:45h, a criança nasce.
Menina.
A 4ª menina, a 5ª filha.
Na agitação do cenário de guerra, pesam-na mas não a medem: 3,750kg.
Pega-lhe, e acha-a perfeita.
Diferente das irmãs, no formato do rosto, da cabeça, e com os olhos amendoados.
Linda.
Durante uns tempos, ela olhou para a filha com pena de não ter sido um menino.Queria outro rapaz, embora gostasse muito de meninas.À tarde, o marido veio vê-la. Mas, por alguma razão que nunca percebeu, não permitiram a visita da irmã e ela acabou por se chegar a uma janela a acenar-lhe e ao cunhado e sobrinhos.
Foi um dos partos mais difíceis, e inesquecível, para ela.
Mas apesar do cenário de guerra, apesar das dores, das dificuldades, da solidão, fora abençoada com uma menina linda, saudável, perfeita...
Obrigada, Mãe, por tudo...