domingo, 5 de setembro de 2010

"A saúde mental dos portugueses"

"A saúde mental dos portugueses
Por Pedro Afonso

Alguns dedicam-se obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas


Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas perturbações durante a vida.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência, urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida, escravos dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural que assim seja, dado que a actual sociedade os inebria de direitos, criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100 casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém maquinalmente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa, deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de alimentos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família. Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três anos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual, tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês, enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga da miséria.

Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.
Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência neuronal colectiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais.

E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma inquietação culposa diante estes rostos que me visitam diariamente. Médico psiquiatra


in Público - A saúde mental dos portugueses, 21/06/2010"


Este texto, excelente no conteúdo e na simplicidade com que é abordado, reflecte a nossa sociedade, na vertente "mental".

E repito o que já disse por várias vezes (talvez não aqui):
Termos uma juventude "estúpida" e desinformada, emburrecida, sermos um povo inundado de "rendimentos mínimos", falta de educação (académica e social) e estupidificado por futebóis e telenovelas (muitas delas, a reflectirem um modo de vida "errado", sem valores sociais, mas que passa a ser "certo" porque apareceu na TV...), torna-nos fáceis de controlar.

E é por isso que o Governo, e os Governos acima do Governo, nos querem assim:
- estupidificado quem não está atento,
- mental, espiritual e fisicamente esgotado quem tem alguns conhecimentos para poder tentar mudar o rumo das coisas...

:(

5 comentários:

  1. a saude mental dos portugues é, quase por definição, instavel!

    de que outra forma sobreviveriamos?

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  2. ...Ju...:

    Sem ser à batatada? Hummmm...

    :p

    Beijinho

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  3. O povo quer-se burro... sem instrução...

    Para serem influenciados e obedecerem apenas a alguns... que manipulam tudo e todos.

    Por isso se é tão pouco exigente nas escolas... não se querem pessoas que pensem...

    Quem está lá em cima... é isto que quer...

    ... e nós vamos indo na conversa, meio adormecidos...

    ... um dia será tarde demais.


    beijos

    mmMMmm

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  4. Concordo plenamente com o Inside me.

    Há já vários anos que falo disto.
    E os políticos sabem tão bem disto que (quase) todos mandam os filhos estudar para fora; sabem bem que neste país ninguém os ensina a pensar...

    Beijinhos

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  5. texto forte...
    cruelmente verdadeiro...

    e falando por uma pessoa que ate ja visitou por mais que uma vez algumas das instituições psiquiatricas portuguesas...

    dolorosamente verdadeiro...

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Sopra no vento o que pensas, sentes ou sonhas... Que o vento trará até ao alto da minha árvore as tuas palavras...

Obrigada...