Como vos disse na sexta-feira, apetecia-me ir ver as amendoeiras em flor. Como é longe e não me apetecia tantas horas de estrada, apetecia-me mesmo era ir para o campo, peguei no carro e fui até uma quinta aqui perto, a uns 50Km.
A quinta é duns conhecidos, e não tem lá ninguém.
Se eu ganhasse um prémio jeitoso, comprava-a: adoro ir para lá espairecer, divagar, andar, tudo...
Convido-vos a acompanhar-me neste passeio.
“Depois da estrada, o caminho de terra pouco convidativo redobrou-me a atenção na condução. Tem muitos buracos, pedras soltas e eu não tenho um jipe.
Cheguei. O portão permanece fechado, estaciono o carro, saio com a mochilinha, o termo de água e um saco com uma pá de jardinagem para apanhar uma planta aromática que me pediram.
No caminho de acesso ao casario, o Sol filtra-se por entre os cedros, os castanheiros despidos e as nuvens ligeiras.
Sopra uma brisa leve e fresca.
Vou observando as árvores ao longo do caminho: cerejeiras e macieiras despidas, castanheiros, oliveiras, mimosas a começar a florir.
As mimosas querem invadir tudo, e passa-me pela cabeça o quão grata sou a Deus por não ter nenhuma alergia respiratória, nem asma, nem bronquite, pois o perfume delas já se começa a sentir intenso na brisa.
Chego ao casario, duas casas, um lagar, um tanque, tudo em pedra, e pouso as minhas coisas na pequena mesa, também em pedra, ao pé da casa maior.
Agora vou passear. O percurso é conhecido, habitual, mas nunca rotineiro. Entro pelo patamar do tanque, só com a mochila, que não me apetece colher nada agora e já bebi água.
Observo as figueiras e as cerejeiras, as primeiras ainda no seu sono de Inverno, as segundas a começar a despertar, com os gomos inchados a prometer flores.
O diospireiro também dorme, é enorme, tem uns 7m de altura bem à vontade, e ainda mantém nos seus ramos parte do cálice dos frutos que já cairam.
A cameleira branca e rosa está intensamente florida, um regalo para a vista. A temperatura ainda é fresca, nem sequer andam abelhões de volta dela, como costume.
Sigo o meu caminho, ainda cheia de pensamentos na cabeça, ainda pouco relaxada, ainda ansiosa por encontrar as respostas às minhas perguntas e que sei que hei-de encontrar ali.
Oh! E a primeira surpresa do dia delicia-me a Alma. Numa zona anteriormente coberta de silvas e limpa o ano passado, as violetas fazem um tapete fofo, verde e roxo, e sinto-lhes o perfume adocicado, delicioso... Adoro violetas, adoro a sua fragilidade e a sua tenacidade, a sua resistência às más condições climáticas.
Colho uma, só uma, pois sou um bocadito contra colher flores só porque me apetece, mas esta colhi-a para me acompanhar com o seu perfume no passeio que faço.
Continuo. O caminho está mais dificil agora, tem fetos secos e silvas, mas eu quero ir até ao fim do patamar.
Chego. Vejo ser impossível ir até à mina de água, o caminho está escondido entre silvas e giestas, e eu estou de calças de treino finas, apesar de ter trazido as botas de campo.
Não me perco em pormenores e deixo-me resvalar até aos patamares de baixo. Quero ir ver as nogueiras e o marmeleiro.
As nogueiras estão a começar a acordar, nota-se nos gomos que querem abrir. O marmeleiro surpreende-me, já espreitam pequenas folhas entre os ramos nus.
Satisfeita, faço o percurso inverso pelo patamar, na direcção das casas de novo. A segunda nascente está cheia de silvas, não consigo passar ali, mas trepo até ao patamar de cima e continuo, parando a espreitar os pessegueiros, os castanheiros e as oliveiras.
Os pessegueiros também já começam a acordar, os gomos estão inchados e prestes a abrir.
As oliveiras mostram sinais de olho-de-pavão (uma doença de primavera) e alguns indícios de traça-da-oliveira nas folhas.
Chego às casas, e contorno a maior, à procura da amendoeira. Ainda não está em flor, mas já falta pouco! Lembro-me do post do dia anterior e, apesar de não sentir o perfume delas, “cheira-me” a Primavera. :)
Reparo que alguns vidros da casa estão quebrados, devido ao mau tempo, pois houve gente lá (a colher azeitona, creio eu, e os caçadores também andam por ali) mas não iriam partir aqueles, que não dão acesso ao interior da casa.
Na esquina oposta da casa, a ameixeira saúda-me já com flores.
E eu sorrio, deliciada, e subo as escadinhas que me levam ao patamar dos galinheiros abandonados. Aí, apercebo-me que as plantas que eu procurava (erva-das-azeitonas, uma planta muito parecida com óregãos) estão amarelitas do tempo. Volto às minhas coisas, pego na pá e colho uma, para levar. Entretanto, decido ir apanhar algumas camélias, para mim e para a Coccinelita, e só o faço porque esta não dá semente, é dobrada, logo, a flor “não lhe faz falta”.
Claro que peço autorização primeiro à árvore, há que manter o respeito por todos os seres vivos.Faço um ramo e coloco ao pé das minhas coisas e da erva-das-azeitonas. Bebo umas goladas de água, porque agora o caminho a seguir é maior.
Desço a encosta por um bom caminho de terra, entre mimosas. O vento agita-as e ouve-se a madeira dumas contra as outras. O seu perfume sente-se, mas não é invasivo nem enjoativo, há poucas abertas, ainda.
Procuro narcisos anões por entre elas, que não encontro. Ou é cedo demais, ou tarde demais. Creio ser cedo.
Caminho, caminho, caminho, os pensamentos a vaguearem ainda mais rápido que os meus passos.
Estou triste, hoje, e nem sei bem porquê. Estou triste com a minha vida, estou triste comigo, ou talvez nem seja bem triste. Estou consciente que tenho de tomar certas opções, assumir certas atitudes. Estou seriamente pensativa, ou pensativamente séria?
Passo por uma casita de pedra e reparo que também a trancaram, o que me agrada. Ninguém tem nada de ir para ali fazer estragos.
Continuo caminho abaixo. Um
chap-chap faz-me olhar para baixo. Caminho num pedaço de terra encharcado, resultado das nascentes mais acima. Um pouco mais à frente, javalis revoltearam a lama. Passo com cuidado para não me sujar e sigo. Decido continuar, nunca fiz este trajecto todo, parava nos limites da quinta.
Mas os meus pensamentos pedem descanso e eu quero caminhar.
Sigo.
E um sorriso estúpido e fascinado abre-se quando vejo imensos amores-perfeitos-bravos nas margens do caminho. São tão lindos!!!
A Natureza é perfeita!
Páro um pouco a apreciá-los, maravilhada. Até que os meus inquietos pensamentos voltam e ponho-me a andar de novo.
Vejo um carvalho cheio de bugalhas.
Ao longe, um pinheiro solitário pede-me companhia e é até ele que decido ir.
Chego e vejo que não me alicia o resto do caminho, pelo menos hoje não. O pinheiro tem uma pedra convidativa coberta de musgo mesmo por debaixo. Sento-me na suavidade da pedra.
Tiro o caderno da mochila, a caneta macia e começo a escrever.
A intenção é tirar todas aquelas ideias da minha cabeça, arrumá-las e colocá-las de novo, já arrumadinhas. E deixar ir no vento as que não são precisas e que só me ocupam espaço e tempo.
Um corvo crocita ao longe, algures nas árvores.
O vento sopra, como se me quisesse ajudar a arrumar as minhas ideias. Está a ficar frio, tenho as mãos frias. Mas escrevo.
Um movimento visto pelo canto do olho (
bendita visão periférica a nossa!) alerta-me.
Com um ar agressivo que me faz sempre lembrar aquela música do “Tubarão” (Tum-tum-tum-tum-tum-tum), uma carraça sobe-me pela perna. Dou-lhe um piparote de regresso às ervas e o movimento que faço mostra-me que tenho outra no braço. Tenho um casaquito polar branco e uma camisola de licra de gola alta, também branca, o que dá muito jeito para ver se levo passageiros comigo. Outro piparote.
Recomeço a escrever. Outra carraça sobe-me pelas calças pretas. Mais um piparote.
Chiça! Mudança de lugar! Aqui não me deixam sossegada e rio-me, ao pensar que elas não se importam que eu faça acupunctura para me quererem o sangue.
Como está a ficar frio e adivinha-se chuva ao longe, decido voltar ao casario.
Quinze minutos a pé em passo acelerado, a evitar as giestas. Uma olhadela à parte de trás das pernas mostra-me outra carraça, mais pequena, a trepar. Mais um piparote.
Credo! Chatas!
Chego ao casario, tiro o casaco e o chapéu e sacudo-os. Depois sacudo as calças, não tenho nada a não ser ervas secas presas na roupa. Olho em volta. Devo estar sozinha nos 500m ao redor. Está fresco. Não penso mais: dispo também a camisola e sacudo-a, com o peito à mostra. Ainda bem que não há gente ali!
Visto-me, pois não está calor e não tenho qualquer vontade de ser encontrada naquela figura ou de ser mordida por algum bicho enganado, que os mosquitos já começam a juntar-se em nuvens.
Sento-me na mesa de pedra, “à chinês”, e escrevo.
Escrevo tudo, deito tudo cá para fora, ordeno tudo, decido tudo. Respiro, aliviada, a cabeça fresca, as ideias arrumadas.
Serena. Descansada.
Tempos de mudança se adivinham... E avizinham.
Foi um bom passeio, serviu mesmo para o que eu queria.”
Volto ao carro, um braço com as camélias, outro com o saco e o termo entretanto vazio.
Arrumo tudo, meto-me no carro, sigo o caminho de regresso. Já na estrada, uma ligeira comichão na testa faz-me levar lá a mão, e noto um bichinho, que agarro. Calmamente, encosto o carro, para ver quem levo ali. Uma carraça, a 5ª. Mando-a para a estrada e sigo, com aquela sensação que qualquer comichãozita possa ser mais uma.
Telefono à Coccinelita a avisá-la que vou passar lá em casa, mas que quero que ela desça para ver se tenho mais alguma carraça comigo. Ela fica horrorizada com a ideia, mas aceita.
Já na rua dela, ela desce e vem ter comigo. Faço uma estranha dança por baixo do candeeiro público, para que ela possa ver bem se tenho mais algum bicho, mexe-me no cabelo, e...
Nada!!! Já não tenho passageiros ávidos de sangue!
Subimos para casa dela e conversamos sobre o meu passeio, as minhas decisões, as minhas ideias. Foi um dia produtivo!
:)